Quem nasceu primeiro, o ovo
ou a galinha? Esse conflito filosófico, que há milhares de anos atormenta o
homem na busca da consciência cósmica, instigou Clarice Lispector no seu criar
literário. O ovo, a Literatura; a galinha, o seu eu narrador, a realidade
transcendente no poder da criação e dos seus conflitos interiores traduzidos à
baila no conto “O ovo e a galinha”, a metalinguagem metafórica das inspirações do
seu fazer literário. O ovo e a galinha, o escritor e a inspiração, um não
existe com a exclusão do outro.
O espetáculo A Granja dos Corações Amargurados é uma
adaptação para o teatro do conto “O ovo e a galinha”, feita pelo grupo
Claricena. Este grupo é formado por estudantes do curso de Teatro, Música e Dança
da UFAL, e o enredo seguiu um propósito, a meu ver, um tanto confuso,
aparentemente sem conectivo entre os atos, como se cada parte mantivesse
independência das demais. Seria necessária a releitura da peça para melhor
compreensão dessa experiência cosmo-psicodélica, onde imagens da dança se
cruzam com a dramaturgia e até mesmo no surrealismo explícito na (des)construção
das histórias onde um espectador desavisado poderia entender como o estereótipo
do caos, tantos são os descaminhos que nos levam a pensar assim.
A nossa realidade subjetiva
nos transporta à reflexão e a devanear sobre essa pergunta intrigante que deixa
até os darwinistas descabelados, tamanha a complexidade existente que nem os estudos
mais profundos conseguiram, até agora, decifrar: Quem nasceu primeiro, o ovo ou
a galinha? A intertextualidade filosófica do conto da Clarice com esse ovo
mutante e a retórica reflexiva embutida nas suas palavras, escritas, talvez, no
frigir dos ovos em sua cozinha ou do ovo mal passado no seu pão, nos conduzem a
vários caminhos da interrogação entre o seu dizer e o seu fazer literário, o
criador e a criatura, porém, aparentemente, não indica nenhum atalho onde se
possa beber da fonte onde se manifesta o momento epifânico de um Pai-Nosso
rezado por um público religiosamente eclético, ou até mesmo agnóstico, durante
uma encenação teatral. Também a trilha sonora de Ennio Morricone, compositor famoso
pelas suas músicas em filmes tipo western, parece deslocada no tempo e no
espaço do estilo clariciano. A altura
excessiva do volume das músicas abafando o diálogo, galinha (ou ovo) fumando maconha
no palco, pipoca jogada na plateia emporcalhando o teatro, e a nebulosa
coerência dos spots com o enredo, talvez seja uma tentativa do resgate erudito
do teatro besteirol dos anos 1980, uma modalidade crítica, bem humorada, e nada
filosófica da realidade brasileira. Também existe a possibilidade de que,
movidos os dramaturgos da UFAL pela própria declaração da Clarice Lispector
sobre a incompreensão de suas palavras nesse conto, tentaram fazer algo mais complexo
no entendimento racional, apresentando ao espectador uma simbiose da metafísica
com a metalinguagem ordenada.
Assim, neste questionamento
milenar sobre quem veio primeiro, se o ovo ou se a galinha, o espectador comum saiu
do teatro com cara de quem comeu uma omelete sem sal e sem recheio e com sabor
de pastel de vento.