quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Por que não paras, relógio?

Saudades dos tempos de criação humorada na sala de aula. 
Para compreender o texto, é preciso, primeiro, ver o curta-metragem.



Sempre tive problema na hora de acordar, pela manhã. Desde criança. Mas naquele tempo havia a minha mãe com um chinelo na mão servindo de despertador. Era infalível: nunca perdi o transporte escolar.  Hoje, não. Hoje é um suplício acordar a tempo de ir trabalhar. Comprei um aparelho de som com alarme embutido. Toca exatamente às sete horas. Mas fica perto da cama e é só esticar o braço e desligar. Também tem o alarme do celular. Toca segundos depois que desligo o aparelho de som, mas tem a desvantagem de ficar na minha cama. Não preciso fazer esforço para desligá-lo. Por precaução, coloquei um despertador analógico na minha escrivaninha. Daqueles que fazem um barulho enorme e acorda o quarteirão inteiro. Sou obrigado a me levantar para desligá-lo.  Sou?! Quem disse? Durmo com um revólver ao lado. Pego o três oitão, miro no danado e, bam! Em seguida é só silêncio. Volto a dormir o sono dos justos. Nada haverá de interromper o meu sossego. Nada?! Os alarmes fazem revolução. São da esquerda. Acordam-me com o refrão bolchevique: “Alarmes, unidos, jamais serão vencidos!” Durma-se com um barulho desse! Arrasto-me até o armário onde um despertador renitente abusa da minha paciência. Vou até o banheiro escovar os dentes. Sou acordado por outro despertador comunista colocado no armário do banheiro. Isso é complô contra o descanso alheio!
A campainha toca. É o leiteiro. Apesar de haver uma placa indicando o local onde ele deve colocar a garrafa de leite, sempre coloca ao lado da porta. E, de todas as portas do mundo, esta minha é a única que abre para fora.
A garrafa do leite rola pelo corredor. Sou alérgico a frieza e o chão está frio. E eu, descalço. Penduro-me na porta e forço a sua abertura com os pés. Pego o leite e vou para a cozinha. Preparo um sanduíche e, enquanto ele esquenta, eu durmo. Sou acordado repentinamente pela sanduicheira. Pego o leite, o sanduíche e vou para o sofá. Vejo tevê enquanto como. Nem como nem vejo tevê. Durmo. Acordo assustado com um relógio colocado em cima do aparelho da televisão. Corro para travá-lo antes que ele toque. Tropeço no leite e caio. O despertador toca. Desligo. Volta a tocar. Retiro a sua pilha. Vou para o quarto trocar de roupa. Outro despertador toca. Arrebento-o na parede.
No elevador volto a cochilar. Um despertador alarma ininterruptamente. Procuro nos bolsos, nas paredes do elevador, olho para o espelho e vejo que é o meu próprio cabelo alarmando. Olho incrédulo e atônito. O som aumenta. Desespero-me e acordo assustado com o barulho no meu quarto. Puxa! Foi só um sonho! Sonho?! Pego o revólver, miro o despertador e...

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