quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Fatores de textualidade nas crônicas "Atitude suspeita" e "Para Lennon e McCartney"



As crônicas que usamos caracterizam-se como textos bem construídos, pois identificamos nelas os fatores de textualidade, quer no aspecto formal, quer nas relações sintáticas e na situação pragmática. Identifica-se o fator de situacionalidade ao permitir ao leitor identificar o evento textual à situação, quer no aspecto cultural, quer no ambiente onde se desenvolve a trama: a primeira se passa em uma delegacia; a outra, na cela de um presídio. Também cumprem os objetivos das intenções dos autores, o que nos leva à conclusão que se cumpriu à risca a sua intencionalidade.
Por serem textos com várias republicações em blogs e veículos de comunicação afins, também podemos afirmar que estão em conformidade com os parâmetros conceituais da aceitabilidade, cujas ideias se completam em perfeita harmonia da coerência e da conectividade prepositiva da coesão.
Analisando o primeiro texto, Atitude Suspeita, de Fernando Veríssimo, o próprio título já dialoga com o jargão policial quando não há acusação formal que justifique a apreensão de um cidadão: atitude suspeita. Também se evidencia o diálogo com a Constituição Federal quando fica explícita a negação da presunção de inocência, reforçada pela declaração do delegado ao dizer que é suspeito o acusado se declarar inocente. Existe também a intertextualidade implícita à expressão "a coisa está preta" e ao provérbio português "o feitiço virou-se contra o feiticeiro", que é o desfecho dessa crônica.
A segunda crônica, Para Lennon e McCartney, é a intertextualidade explícita do título que Márcio Borges deu a uma música composta por ele e Fernando Brant, em que remete o leitor ao diálogo de uma época em que se vivia o desejo pleno da liberdade utópica e a linda juventude de então atuava como protagonista da história, não cabendo papel secundário nem coadjuvantes nesse enredo. Lógico que, as personagens de Luís Pimentel, dois detentos, não contextualizam a intencionalidade da canção. O autor usa da antítese dos seus protagonistas para determinada situação, transportando o leitor para a ambientação de uma época em que o rock'n roll era o fator determinante no grito de rebeldia e clamor de liberdade. Também a intertextualidade musical se faz presente na música "Era um garoto que como eu amava os Beatles e Rolling Stones", versão da música italiana de Giani Morandi e que uniu os jovens do mundo todo na resistência contra a guerra do Vietnã.
O campo semântico se contextualiza na “tribo” das personagens, cujo diálogo se traduz pelo jargão policial ou pela linguagem própria de presidiários. Ambas, usam como pano de fundo a insegurança jurídica e constitucional, onde, na crônica de Veríssimo, o cidadão é culpado até provar a sua inocência, enquanto na de Pimentel o cidadão é recolhido ao presídio por uma presunção de crime. O porte de arma não configura crime.

A atemporalidade desses dois textos é transparente na nossa realidade atual, cujas pessoas são detidas por uma simples acusação de “suspeito”. Isso nos remete à triste constatação de que o cotidiano se repete nessa eterna crônica de negação da cidadania e as “atitudes suspeitas” grassam no nosso dia a dia.


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