Bruno Omena*
Juliana Melo*
Paula Ramos*
Ronaldo Torres*
INTRODUÇÃO
Com a inclusão
dos gêneros discursivos nos PCNs para o ensino da língua portuguesa,
evidencia-se a necessidade de se trabalhar o gênero literário crônica como
ferramenta de desenvolvimento da linguagem escrita nas escolas, embora nesses
mesmos PCNs, hoje não se especifique
quais gêneros seriam adequados para se trabalhar com a leitura ou com a
produção de textos. Apenas faz a
ressalva da importância de se trabalhar com o texto literário em sala de aula
por se tratar de uma forma específica de conhecimento. Desse exposto, tem-se a
crônica como o gênero que mais se aproxima das práticas cotidianas dos alunos
do Ensino Médio.
O presente
artigo foi desenvolvido a partir de pesquisas bibliográficas e também em
assuntos tratados em aulas de Leitura e Produção de textos –
2016.1, IFAL/Campus Maceió; tem como aporte teórico a contribuição dos estudos
de Koch (2015) Marcuschi Apud Koch, Bakhtin (2011) e objetiva erigir reflexões acerca da
crônica como gênero facilitador da compreensão da leitura e da criação de textos
na sala de aula. Por ser um gênero literário que trata de temas do dia a dia e não
há pessoas, como seres individuais, que não tenham uma história para contar no
seu lidar diário,
defende-se, aqui, que a crônica é, ainda, um texto que permite às pessoas
contar histórias que nascem de suas próprias experiências.
Para as reflexões acerca do estudo do gênero citado, usar-se-á a premissa da compreensão e reflexão do mundo através da linguagem
oral ou escrita, baseada no dialogismo e polifonia de Bakhtin Apud Frossard (2007) na funcionalidade dos gêneros textuais, de Marcuschi Apud Dionísio; Machado; Bezerra
(2005), e na concepção de texto e de
sentido, proposto por Koch (2015).
Com base nos estudos desses autores, defende-se que, participando da criação do discurso de sua própria rotina, o aluno deixará de
ser mero coadjuvante do seu cotidiano para se tornar protagonista de sua própria realidade
dando relevância a fatos considerados por eles sem nenhuma importância ou de
importância menor. Para Marcuschi (2003, p.29) “os gêneros são textos que
encontramos em nossa vida diária com padrões sócio-comunicativos”, e assim,
compreendendo os gêneros como qualquer atividade de comunicação escrita ou
oral, trabalhar a crônica como ferramenta de atividade de linguagem dentro da
prática social abrirá novos caminhos para as possibilidades de apreensão do
gênero literário e de novas perspectivas na formação de leitores.
1. GÊNEROS TEXTUAIS
Diz-se gêneros textuais a todas as
formas de textos, escritos e orais com o objetivo de estabelecer algum tipo de
comunicação. É o processo dialógico na construção verbal. Para Bakhtin,
“gêneros são tipos relativamente estáveis do enunciado, definidos por seus
conteúdos temáticos, por seu estilo, por sua construção composicional”. Para
Marcuschi, “já se tornou trivial a ideia de que os gêneros textuais são
fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social. Fruto
de trabalho coletivo, os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as
atividades comunicativas do dia-a-dia. São entidades sócio-discursivas e formas
de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa”.
Gênero vem da palavra latina genus, que significa “origem”,
“descendência” (Houaiss, 2010). Em outras palavras, são elementos de uma mesma classe ou espécie. Em se
tratando de gênero textual, entende-se como
uma categoria de texto, oral, visual ou escrito, cada um com sua linguagem e
estrutura peculiar no sentido de passar alguma informação.
Os gêneros literários diferem-se dos
gêneros textuais na sua essência pragmática. Enquanto o segundo abrange todas
as formas de textos e são definidos pela função comunicativa, o primeiro
limita-se apenas aos textos relacionados à literatura. Assim, o bilhete, a
carta, o cartum, a lista de compras, a bula de remédio, o jornal, etc., são
gêneros textuais; o romance, o conto, o livro de poemas, a peça teatral, são
gêneros literários.
2. O GÊNERO CRÔNICA
Conforme o site Cmais, que abriga vários
cronistas, Vilarinho (2016), a crônica é um gênero
literário de narração curta que descreve os fatos do cotidiano em linguagem
simples, de fácil compreensão pelo leitor, possuindo personagens comuns –
quando as tem - e geralmente possui cunho humorístico, crítico, satírico ou
irônico, fazendo com que as pessoas vejam por outro viés o que antes lhes
parecia óbvio.
A palavra
crônica vem do latim chronica e do
grego khrónos (tempo), passando
exatamente o conceito de tempo. Quando surgiu, era um relato de acontecimentos
históricos, registrados por ordem cronológica, destacando fatos mais relevantes
ou secundários (Araújo, 2016)
Fernão Lopes, um
cronista-historiador dos reis de Portugal no século XV, redimensionou o gênero
crônica escrevendo-a sob a perspectiva individual ou interpretativa, limitando
a narrativa tradicional e usando a narrativa oral e de raiz popular, dentro do
realismo descritivo sem o clamor da paixão (Wikipédia, 2016)
A crônica de
teor crítico surgiu junto com a imprensa periódica no século XIX. Começou com
um pequeno texto de abertura que falava de maneira geral dos acontecimentos do
dia. Depois passou a assumir uma coluna nos folhetins e por fim adentrou de vez
ao Jornalismo e à Literatura.
A crônica, hoje,
está relacionada a textos curtos publicados em jornais e revistas, cuja maior
característica é o objetivo com que é escrito. Seu eixo temático gira em torno
de uma realidade social, política ou cultural, sustentado em fatos cotidianos,
geralmente narrado na primeira pessoa, o que a diferencia do conto e da fábula.
Estes contam histórias inusitadas ou até fantásticas. Enquanto a crônica mostra
a visão pessoal dos fatos, o conto tem uma narrativa concentrada, sem analisar
os fatos, e seus personagens são mais bem construídos.
3. A CRÔNICA NA SALA DE AULA
A crônica é um
gênero literário de interpretação do cotidiano em linguagem coloquial, de fácil
compreensão pelo leitor, caracterizada pela brevidade da informação, exigência
do mundo moderno onde as pessoas vivem sem tempo para leitura diária de textos
extensos.
Por estar
relacionada com a realidade política e social, logrará a empatia dos alunos
que, em algum momento, estabelecerão uma relação dialógica entre o real e o
ficcional, de algumas situações vividas, conhecidas ou testemunhadas por eles.
A crônica Atitude Suspeita, de Luís
Fernando Veríssimo, por exemplo, que transcende a temporalidade e bebe na fonte
polifônica do universo da segregação social e racial, transpôs a intencionalidade da crítica à
repressão política ideológica dos anos 1980 para as várias vozes que se
manifestam atualmente contra a perseguição policial aos pretos e pobres, o que certamente
levará o aluno a identificar situação análoga no seu cotidiano, quer seja pela
condução policial coercitiva movida pelo simples prazer do abuso de autoridade
contra seres indefesos, quer seja apenas para mostrar serviço ao delegado ou
outros motivos patológicos que só os psiquiatras podem explicar. Como o próprio
título da crônica diz, a atitude suspeita é a tipificação criminal usada pela
polícia quando não há razão nem motivos que dê efeito à condução forçada de
alguém a uma delegacia de polícia.
Convém ressaltar, também, a crônica trata
as agruras do dia a dia de forma humorada, divertida ou irônica, sem o pincelar
pesado geralmente encontrado em outros gêneros narrativos, como o conto, o
romance e a dramaturgia. Na crônica de Veríssimo aqui citada, nota-se uma
crítica pinçada de humor à abordagem policial em uma época que era práxis se
negar os direitos individuais do cidadão.
Além disso, observa-se, o ensino-aprendizagem de línguas, mediado pelo
estudo dos gêneros textuais, é algo que, como dito anteriormente, ancorou o que
os PCNs dispunham acerca de uma proposta de mudança no ensino brasileiro. Hoje,
é inegável que esse documento foi basilar para o pensar e fazer em sala de aula.
Considerando isso, este artigo defende que as crônicas, lidas, analisadas ou produzidas em sala de aula
permitirão aos alunos vivenciarem, experimentarem ou compreenderem aspectos de
seu mundo interior-exterior e de sua realidade social, despertando a consciência
cidadã e a percepção dos direitos e deveres de cada um dentro de uma sociedade
cada vez mais isolacionista e primitivista em seus conceitos. A maioria dos cronistas
procura envolver emocionalmente o leitor em suas tramas, transformando as
ocorrências do dia a dia em palavras capazes de desenhar no leitor uma nova
concepção de mundo, o seu, e o universo ao seu redor, tornando-os capazes de
enfrentar e resolver seus próprios problemas.
4. METODOLOGIA
Propõe-se,
neste artigo, a aplicação do gênero crônica em aulas de língua portuguesa para
melhor compreensão da língua, desenvolvimento da leitura e escrita como
competências comunicativas. Por isto, o trabalho apresenta sugestões acerca da
implantação de um método com vistas aos resultados esperados. A primeira etapa
consiste na apresentação da crônica como gênero textual e seu aproveitamento
numa situação prática de comunicação. Afinal, não parece conveniente estudar as
suas particularidades, numa perspectiva interacionista, isolada do seu contexto
discursivo. Diante disso, necessário se torna mostrar à classe as principais
características do gênero. Quais sejam:
- é publicada geralmente em jornais ou revistas;
- relata de forma artística e pessoal fatos colhidos no noticiário jornalístico e no cotidiano;
- consiste em um texto curto e leve, que tem por objetivo divertir e/ou fazer refletir criticamente sobre a vida e os comportamentos humanos;
- pode apresentar elementos básicos da narrativa - fatos, tempo, personagens e lugar - com tempo e espaço não limitados;
- o narrador pode ser observador ou se constituir em personagem;
- emprega a variedade informal da língua;
- pode apresentar discurso direto, indireto e indireto livre (Ribeiro. 2016).
Em
seguida, o professor incentivará as percepções acerca da forma, tendo em vista
que, além da situação comunicativa em que se insere, há elementos distintivos
que permitem classificar a crônica como tal. Será o momento oportuno, também,
para estimular a interpretação dos fatores extratextuais, isto é, aqueles que
transcendem a materialidade do texto, como, por exemplo, a maneira particular
que o cronista expõe o fato, sua intenção e ponto de vista sobre o assunto.
Dessa maneira, o aluno vai extrair um aprendizado sobre algo que lhe parecia
corriqueiro e irrelevante. Promover-se-á a leitura de algumas crônicas para que
se reconheçam, no plano textual, as características do gênero apresentadas e
discutidas anteriormente.
Uma
vez conhecida a problemática apresentada pelo texto, os alunos devem analisar
criticamente o seu conteúdo, de forma a desenvolver um pensamento independente
e organizado. Pode-se promover um debate dividindo-se a sala em grupos,
conforme entendimento da turma, que vão defender ou contestar a posição do
autor sobre o tema.
A
próxima etapa do estudo levará os alunos à produção textual; cada um fará a
escrita de uma crônica, de tema livre, tomando como base as suas próprias
vivências ou experiências compartilhadas pela sua comunidade e utilizando as
características do gênero. Assim sendo, compreender-se-á de forma empírica como
se dá a transposição de um episódio cotidiano para a literatura a partir da
sensibilidade de quem escreve, atribuindo-lhe um caráter artístico. As crônicas
produzidas pelos alunos serão lidas por eles em sala de aula, oportunizando ao
professor trabalhar os seus aspectos pragmáticos, semânticos, formais e
gramaticais numa situação prática de comunicação. Por fim, dar-se-á a reescrita
e exposição dos trabalhos no espaço escolar e outros canais propícios a
publicação do gênero escolhido, como jornais ou revistas.
Essa
proposta de trabalho é um indicativo, portanto, de que o estudo dos gêneros
textuais, especialmente a crônica, pode cooperar significativamente com a
aprendizagem dos alunos, tanto pela reflexão sobre eventos triviais como pela
compreensão do emprego da língua nas relações sociais. Além disso, tal estudo
ratifica os autores que nortearam as reflexões erigidas neste artigo, a saber:
Bakhtin, Koch e Marchuschi.
5. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
O artigo ponderou sobre o caráter funcional
da crônica e sua aplicabilidade como ferramenta em aulas de língua portuguesa
para o treinamento da leitura e escrita dada a sua inspiração em fatos
cotidianos e linguagem próxima da oralidade. Aqui se entende “leitura” não
somente como a habilidade de decodificar o signo linguístico, mas também a
capacidade de interpretar o discurso presente na superfície textual.
A crônica é, portanto, o gênero que mais
facilmente se reconhece no dia-a-dia dos alunos, o que implica em identificação
imediata. Consequentemente, desperta o interesse pelas aulas. Assim os autores
do presente trabalho corroboram com a tese da escritora Lya Luft, expressa na
crônica “Brasileiro não gosta de ler?”, em que discorre sobre a importância de
despertar nos alunos o prazer pela leitura, fazendo dela uma experiência
prazerosa e divertida.
Tendo em
vista que o texto apresenta valor pragmático quando assume sentido numa
situação comunicativa (Costa Val, 2004), torna-se necessário introduzi-lo no
cotidiano dos alunos, mostrando-lhes como ele se manifesta na prática e a
função que desempenha em diferentes contextos.
Diante do exposto, conclui-se que o caráter
funcional da linguagem aproxima os gêneros da realidade dos estudantes,
contribuindo expressivamente para a formação primária do leitor. Admitindo a
leitura como agente transformador de uma sociedade, o seu exercício regular
resultará em cidadãos mais críticos e conscientes, capazes de atuar no panorama
em que estão inseridos.
REFERÊNCIAS
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