quinta-feira, 1 de março de 2018

O texto na sala de aula - Geraldi - resenha



INSTITUTO FEDERAL DE ALAGOAS – IFAL
LICENCIATURA EM LETRAS
RONALDO ANTONIO TORRES CRUZ






 


A PRÁTICA DA LEITURA NA ESCOLA


Esta resenha é uma atividade da disciplina Projetos Integradores II, sob a orientação do professor Antônio Cícero de Araújo e se refere ao capítulo A prática da leitura na escola, do livro “O texto na sala de aula”, de João Wanderley Geraldi.










MACEIÓ
2017


Na introdução do capítulo Prática de Leitura na Escola, o autor defende seu ponto de vista centrando seus argumentos em três práticas sustentadas em trabalhos seus anteriores, que são: Leitura, produção de textos e análise linguística, cujos objetivos são dois: transpor os limites da escola no tocante ao ensino artificial da linguagem e possibilitar o “domínio efetivo da língua padrão em suas modalidades oral e escrita”. Para ele, dominar a língua em situação concreta de interação dentro de determinado contexto, é diferente do domínio da língua sobre determinados conceitos e metalinguagens. Dentro dessa premissa, tece críticas à artificialidade da prática escolar na atividade da aprendizagem linguística: “[...] assumem-se papeis de locutor/interlocutor durante o processo, mas não se é locutor/interlocutor efetivamente [...]”. 

Aponta o falseamento da interlocução escolar e a anulação do receptor da mensagem, o “tu” da interlocução, segundo o que ensina Benveniste (1976, p. 286): “A linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito remetendo a ele mesmo como eu no seu discurso”, ou seja, a pessoa que fala e a pessoa a quem se fala, o eu/tu, no caso específico, o professor é o “eu” quando fala, e o aluno o “tu”, quando escuta, invertendo-se os papeis quando é o aluno quem fala, porém a constante repetição torna o aluno mero reprodutor do professor, anulando o sujeito e transformando a linguagem em algo artificial. 

Ainda neste contexto, Bourdieu, também ensina que os professores são autoridades frente aos alunos e assim se tornam legitimadores das mensagens que transmitem, e a ação pedagógica torna-se meios diretos de constrangimento e imposição de significados, transformando os alunos em agentes reprodutores sem o devido domínio da língua.

Geraldi também critica a postura em se ignorar as diferenças e se colocar todos os alunos no mesmo nível de conhecimento, como se o mundo fora dos muros da escola fosse de igualdade para todos. Tal crítica, nos remete mais uma vez à teoria bourdiana do capital cultural e da violência simbólica praticada em sala de aula, que nada mais é que a cultura dominante agindo sobre o processo educacional, pois desconsideram o que se pretende ensinar e não levam em consideração o conhecimento de mundo que cada aluno tem.

No tópico “A prática de leitura”, antes de propor qualquer sugestão metodológica, o autor conceitua a leitura sem ir de encontro à concepção de linguagem enquanto procedimento comunicativo e cognitivo. Dá voz a Marisa Lajolo, cujo enunciado “ler é extrair significados” (Lajolo, apud Geraldi, 2011, p. 91), relaciona-se à prática da leitura de outros textos como leitor autônomo, capaz de construir seu próprio sentido. Para Geraldi, “A leitura é um processo de interlocução entre autor/leitor, mediado pelo texto”. E ilustra sua argumentação com uma frase utilizada por Marilena Chauí em uma conferência em São Paulo, “O diálogo do aprendiz de natação é com a água, e não com o professor, que deverá ser apenas mediador desse diálogo aprendiz-água. Na leitura, o diálogo do aluno é com o texto, o professor, mera testemunha desse diálogo, é também leitor, e sua leitura é uma das leituras possíveis (Chauí, 1983, apud Geraldi, 2011, p. 92). Mas nem tudo é tão simples assim. Uma breve leitura nas “Estratégias de leitura”, de Isabel Solé (2012) observa-se que a autora oferece uma série de reflexões para a prática ideal de leitura, as quais se destacam a motivação do professor para tornar a leitura um ato prazeroso e voluntário, saber articular diferentes situações de leitura (oral, coletiva, individual, silenciosa, compartilhada), acompanhar os alunos na leitura, construir níveis de desafios adequados ao conhecimento deles e, o principal, motivá-los para a prática de leitura dando-lhes sentido no que irão ler.  

O autor ainda estabelece três tipos de relação do leitor com o texto:

Na primeira, intitulada “A leitura – busca de informação”, discorre sobre a leitura, cuja finalidade é tão-somente extrair informação do texto. Nesse caso, é patente a artificialidade da leitura nas aulas de língua portuguesa em relação à leitura de textos de outras disciplinas. O autor sugere dois níveis de profundidade a serem aplicados em casos assim: extrair informações superficiais do texto ou extrair de um modo mais profundo, construindo relações com outros textos.

A segunda, chamada “A leitura – estudo do texto”, o autor reconhece que a primeira postura é mais aplicada em outras disciplinas, e menos em aula de português. E faz um roteiro analítico baseado no princípio filosófico da dialética, a tese, a antítese e a síntese, que, em suas palavras, tornaram-se “tese”, “argumento”, “contra-argumento” e “coerência entre tese e argumento”, usando como exemplo de leitura o artigo “Muito pouco para tantos”, publicado no jornal Folha de São Paulo no dia 06/05/1979, e que consta como “Apêndice 1”, deste seu livro.

A terceira traz como título “A leitura do texto - o pretexto”, que, segundo o autor, o pretexto envolve uma rede muito grande de questões e é o que serve como ponto de partida para produção de outros textos, como, por exemplo, ler no jornal a notícia de um crime e depois escrever um artigo sobre a violência.

A quarta e última relação do leitor com o texto, “A leitura – fruição do texto” trata da troca da leitura como castigo para a leitura prazerosa e voluntária, sem a imposição ditatorial de agentes externos. O professor não deve usar a leitura como instrumento de tortura, mandar o aluno ler determinado livro como castigo, mas fazer fruir a leitura como fonte de prazer. Para se chegar a esse objetivo, Geraldi construiu três princípios básicos:

O primeiro princípio, “O caminho do leitor”, é o primeiro passo e se deve respeitar o ritmo de leitura do aluno e considerar o nível de compreensão de cada leitor, buscando sempre afinidades entre leitor/texto.

O segundo, intitulado “O circuito do livro”, sugere a criação de um circuito de interação entre leitores fora da escola, e que eles próprios troquem informações e recomendações de leitura. O professor deverá promover o rodízio de livros entre os alunos.

O terceiro e último princípio, “Não há leitura qualitativa no leitor de um livro só”, classifica as várias leituras como fator determinante para a qualidade de leitura. É a leitura de várias obras que leva o leitor a ter conhecimento de mundo e o torna um leitor crítico, capaz de enxergar a intertextualidade intrínseca em todas as obras literárias, o que não acontece com quem tem pouca leitura. O autor sugere um maior número de leituras, mesmo que a interlocução não seja a almejada pelos professores.

Conclusão: Visto que a leitura é uma prática social em que se insere o processo de recriação e reconstrução de ideias, há um contraponto nesse último princípio de fruição de texto a partir do momento em que se prioriza a quantidade de leitura em detrimento da qualidade, negando a “concepção de que autor e leitor são sujeitos ativos que dialogam, que se constroem e são construídos no texto, que é considerado o próprio lugar da interação e da constituição dos interlocutores” (Bakhtin, 2003; Geraldi, 1993; Kock e Elias, 2006. Apud Menegassi), portanto, é incompreensível submeter o aluno a uma overdose de leitura sem que haja um critério dialógico leitor/texto que permita ao primeiro extrair do segundo todo seu potencial de significados.



Referências bibliográficas:

GERALDI, João W. Prática da leitura na escola. In: O texto na sala de aula. 5º Ed. São Paulo: Ática, 2011, p. 88 a 103.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. 14 Ed. p.22. Campinas, SP: Pontes, 2012.
OLIVEIRA, Nadjane G. SANTANA, Maily dos Santos. OLIVEIRA, Edson Luís G. de. Por uma educação além da reprodução: contributo do pensamento de Pierre Bourdieu. https://www.ufrb.edu.br/sppgcs2015/images/trabalhos/Artigo_NadjaneOliveira_UFRB.pdf.  Visitado em 04/06/2017
MENEGASSI, Renilson José. Avaliação de leitura: Construção e ordenação de perguntas. Art. Univ. Est. de Maringá.



Artigo: A crônica como ferramenta de interação social na escola



Bruno Omena*

Juliana Melo*

Paula Ramos*

Ronaldo Torres*

INTRODUÇÃO

Com a inclusão dos gêneros discursivos nos PCNs para o ensino da língua portuguesa, evidencia-se a necessidade de se trabalhar o gênero literário crônica como ferramenta de desenvolvimento da linguagem escrita nas escolas, embora nesses mesmos PCNs, hoje  não se especifique quais gêneros seriam adequados para se trabalhar com a leitura ou com a produção de textos.  Apenas faz a ressalva da importância de se trabalhar com o texto literário em sala de aula por se tratar de uma forma específica de conhecimento. Desse exposto, tem-se a crônica como o gênero que mais se aproxima das práticas cotidianas dos alunos do Ensino Médio.
O presente artigo foi desenvolvido a partir de pesquisas bibliográficas e também em assuntos tratados em aulas de Leitura e Produção de textos – 2016.1, IFAL/Campus Maceió; tem como aporte teórico a contribuição dos estudos de Koch (2015) Marcuschi  Apud Koch, Bakhtin (2011) e objetiva erigir reflexões acerca da crônica como gênero facilitador da compreensão da leitura e da criação de textos na sala de aula. Por ser um gênero literário que trata de temas do dia a dia e não há pessoas, como seres individuais, que não tenham uma história para contar no seu lidar diário, defende-se, aqui, que a crônica é, ainda, um texto que permite às pessoas contar histórias que nascem de suas próprias experiências.  
Para as reflexões acerca do estudo do gênero citado, usar-se-á a premissa da compreensão e reflexão do mundo através da linguagem oral ou escrita, baseada no dialogismo e polifonia de Bakhtin Apud Frossard (2007) na funcionalidade dos gêneros textuais, de Marcuschi Apud Dionísio; Machado; Bezerra (2005), e na concepção de texto e de sentido, proposto por Koch (2015).
Com base nos estudos desses autores, defende-se que, participando da criação do discurso de sua própria rotina, o aluno deixará de ser mero coadjuvante do seu cotidiano para se tornar protagonista de sua própria realidade dando relevância a fatos considerados por eles sem nenhuma importância ou de importância menor. Para Marcuschi (2003, p.29) “os gêneros são textos que encontramos em nossa vida diária com padrões sócio-comunicativos”, e assim, compreendendo os gêneros como qualquer atividade de comunicação escrita ou oral, trabalhar a crônica como ferramenta de atividade de linguagem dentro da prática social abrirá novos caminhos para as possibilidades de apreensão do gênero literário e de novas perspectivas na formação de leitores.

1. GÊNEROS TEXTUAIS

Diz-se gêneros textuais a todas as formas de textos, escritos e orais com o objetivo de estabelecer algum tipo de comunicação. É o processo dialógico na construção verbal. Para Bakhtin, “gêneros são tipos relativamente estáveis do enunciado, definidos por seus conteúdos temáticos, por seu estilo, por sua construção composicional”. Para Marcuschi, “já se tornou trivial a ideia de que os gêneros textuais são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social. Fruto de trabalho coletivo, os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia. São entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa”.
Gênero vem da palavra latina genus, que significa “origem”, “descendência” (Houaiss, 2010). Em outras palavras, são elementos de uma mesma classe ou espécie. Em se tratando de gênero textual, entende-se como uma categoria de texto, oral, visual ou escrito, cada um com sua linguagem e estrutura peculiar no sentido de passar alguma informação.
Os gêneros literários diferem-se dos gêneros textuais na sua essência pragmática. Enquanto o segundo abrange todas as formas de textos e são definidos pela função comunicativa, o primeiro limita-se apenas aos textos relacionados à literatura. Assim, o bilhete, a carta, o cartum, a lista de compras, a bula de remédio, o jornal, etc., são gêneros textuais; o romance, o conto, o livro de poemas, a peça teatral, são gêneros literários.

2. O GÊNERO CRÔNICA
          Conforme o site Cmais, que abriga vários cronistas, Vilarinho (2016), a crônica é um gênero literário de narração curta que descreve os fatos do cotidiano em linguagem simples, de fácil compreensão pelo leitor, possuindo personagens comuns – quando as tem - e geralmente possui cunho humorístico, crítico, satírico ou irônico, fazendo com que as pessoas vejam por outro viés o que antes lhes parecia óbvio.
A palavra crônica vem do latim chronica e do grego khrónos (tempo), passando exatamente o conceito de tempo. Quando surgiu, era um relato de acontecimentos históricos, registrados por ordem cronológica, destacando fatos mais relevantes ou secundários (Araújo, 2016)
Fernão Lopes, um cronista-historiador dos reis de Portugal no século XV, redimensionou o gênero crônica escrevendo-a sob a perspectiva individual ou interpretativa, limitando a narrativa tradicional e usando a narrativa oral e de raiz popular, dentro do realismo descritivo sem o clamor da paixão (Wikipédia, 2016)
A crônica de teor crítico surgiu junto com a imprensa periódica no século XIX. Começou com um pequeno texto de abertura que falava de maneira geral dos acontecimentos do dia. Depois passou a assumir uma coluna nos folhetins e por fim adentrou de vez ao Jornalismo e à Literatura.
A crônica, hoje, está relacionada a textos curtos publicados em jornais e revistas, cuja maior característica é o objetivo com que é escrito. Seu eixo temático gira em torno de uma realidade social, política ou cultural, sustentado em fatos cotidianos, geralmente narrado na primeira pessoa, o que a diferencia do conto e da fábula. Estes contam histórias inusitadas ou até fantásticas. Enquanto a crônica mostra a visão pessoal dos fatos, o conto tem uma narrativa concentrada, sem analisar os fatos, e seus personagens são mais bem construídos.


3. A CRÔNICA NA SALA DE AULA

A crônica é um gênero literário de interpretação do cotidiano em linguagem coloquial, de fácil compreensão pelo leitor, caracterizada pela brevidade da informação, exigência do mundo moderno onde as pessoas vivem sem tempo para leitura diária de textos extensos.
Por estar relacionada com a realidade política e social, logrará a empatia dos alunos que, em algum momento, estabelecerão uma relação dialógica entre o real e o ficcional, de algumas situações vividas, conhecidas ou testemunhadas por eles. A crônica Atitude Suspeita, de Luís Fernando Veríssimo, por exemplo, que transcende a temporalidade e bebe na fonte polifônica do universo da segregação social e racial, transpôs a intencionalidade da crítica à repressão política ideológica dos anos 1980 para as várias vozes que se manifestam atualmente contra a perseguição policial aos pretos e pobres, o que certamente levará o aluno a identificar situação análoga no seu cotidiano, quer seja pela condução policial coercitiva movida pelo simples prazer do abuso de autoridade contra seres indefesos, quer seja apenas para mostrar serviço ao delegado ou outros motivos patológicos que só os psiquiatras podem explicar. Como o próprio título da crônica diz, a atitude suspeita é a tipificação criminal usada pela polícia quando não há razão nem motivos que dê efeito à condução forçada de alguém a uma delegacia de polícia.
Convém ressaltar, também, a crônica trata as agruras do dia a dia de forma humorada, divertida ou irônica, sem o pincelar pesado geralmente encontrado em outros gêneros narrativos, como o conto, o romance e a dramaturgia. Na crônica de Veríssimo aqui citada, nota-se uma crítica pinçada de humor à abordagem policial em uma época que era práxis se negar os direitos individuais do cidadão.
Além disso, observa-se, o ensino-aprendizagem de línguas, mediado pelo estudo dos gêneros textuais, é algo que, como dito anteriormente, ancorou o que os PCNs dispunham acerca de uma proposta de mudança no ensino brasileiro. Hoje, é inegável que esse documento foi basilar para o pensar e fazer em sala de aula.
Considerando isso, este artigo defende que as crônicas, lidas, analisadas ou produzidas em sala de aula permitirão aos alunos vivenciarem, experimentarem ou compreenderem aspectos de seu mundo interior-exterior e de sua realidade social, despertando a consciência cidadã e a percepção dos direitos e deveres de cada um dentro de uma sociedade cada vez mais isolacionista e primitivista em seus conceitos. A maioria dos cronistas procura envolver emocionalmente o leitor em suas tramas, transformando as ocorrências do dia a dia em palavras capazes de desenhar no leitor uma nova concepção de mundo, o seu, e o universo ao seu redor, tornando-os capazes de enfrentar e resolver seus próprios problemas. 


4. METODOLOGIA

Propõe-se, neste artigo, a aplicação do gênero crônica em aulas de língua portuguesa para melhor compreensão da língua, desenvolvimento da leitura e escrita como competências comunicativas. Por isto, o trabalho apresenta sugestões acerca da implantação de um método com vistas aos resultados esperados. A primeira etapa consiste na apresentação da crônica como gênero textual e seu aproveitamento numa situação prática de comunicação. Afinal, não parece conveniente estudar as suas particularidades, numa perspectiva interacionista, isolada do seu contexto discursivo. Diante disso, necessário se torna mostrar à classe as principais características do gênero. Quais sejam:
  • é publicada geralmente em jornais ou revistas;
  • relata de forma artística e pessoal fatos colhidos no noticiário jornalístico e no cotidiano;
  • consiste em um texto curto e leve, que tem por objetivo divertir e/ou fazer refletir criticamente sobre a vida e os comportamentos humanos;
  • pode apresentar elementos básicos da narrativa - fatos, tempo, personagens e lugar - com tempo e espaço não limitados;
  • o narrador pode ser observador ou se constituir em personagem;
  • emprega a variedade informal da língua;
  • pode apresentar discurso direto, indireto e indireto livre (Ribeiro. 2016).

Em seguida, o professor incentivará as percepções acerca da forma, tendo em vista que, além da situação comunicativa em que se insere, há elementos distintivos que permitem classificar a crônica como tal. Será o momento oportuno, também, para estimular a interpretação dos fatores extratextuais, isto é, aqueles que transcendem a materialidade do texto, como, por exemplo, a maneira particular que o cronista expõe o fato, sua intenção e ponto de vista sobre o assunto. Dessa maneira, o aluno vai extrair um aprendizado sobre algo que lhe parecia corriqueiro e irrelevante. Promover-se-á a leitura de algumas crônicas para que se reconheçam, no plano textual, as características do gênero apresentadas e discutidas anteriormente.
Uma vez conhecida a problemática apresentada pelo texto, os alunos devem analisar criticamente o seu conteúdo, de forma a desenvolver um pensamento independente e organizado. Pode-se promover um debate dividindo-se a sala em grupos, conforme entendimento da turma, que vão defender ou contestar a posição do autor sobre o tema. 
A próxima etapa do estudo levará os alunos à produção textual; cada um fará a escrita de uma crônica, de tema livre, tomando como base as suas próprias vivências ou experiências compartilhadas pela sua comunidade e utilizando as características do gênero. Assim sendo, compreender-se-á de forma empírica como se dá a transposição de um episódio cotidiano para a literatura a partir da sensibilidade de quem escreve, atribuindo-lhe um caráter artístico. As crônicas produzidas pelos alunos serão lidas por eles em sala de aula, oportunizando ao professor trabalhar os seus aspectos pragmáticos, semânticos, formais e gramaticais numa situação prática de comunicação. Por fim, dar-se-á a reescrita e exposição dos trabalhos no espaço escolar e outros canais propícios a publicação do gênero escolhido, como jornais ou revistas.
Essa proposta de trabalho é um indicativo, portanto, de que o estudo dos gêneros textuais, especialmente a crônica, pode cooperar significativamente com a aprendizagem dos alunos, tanto pela reflexão sobre eventos triviais como pela compreensão do emprego da língua nas relações sociais. Além disso, tal estudo ratifica os autores que nortearam as reflexões erigidas neste artigo, a saber: Bakhtin, Koch e Marchuschi.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo ponderou sobre o caráter funcional da crônica e sua aplicabilidade como ferramenta em aulas de língua portuguesa para o treinamento da leitura e escrita dada a sua inspiração em fatos cotidianos e linguagem próxima da oralidade. Aqui se entende “leitura” não somente como a habilidade de decodificar o signo linguístico, mas também a capacidade de interpretar o discurso presente na superfície textual.
A crônica é, portanto, o gênero que mais facilmente se reconhece no dia-a-dia dos alunos, o que implica em identificação imediata. Consequentemente, desperta o interesse pelas aulas. Assim os autores do presente trabalho corroboram com a tese da escritora Lya Luft, expressa na crônica “Brasileiro não gosta de ler?”, em que discorre sobre a importância de despertar nos alunos o prazer pela leitura, fazendo dela uma experiência prazerosa e divertida.
          Tendo em vista que o texto apresenta valor pragmático quando assume sentido numa situação comunicativa (Costa Val, 2004), torna-se necessário introduzi-lo no cotidiano dos alunos, mostrando-lhes como ele se manifesta na prática e a função que desempenha em diferentes contextos.
Diante do exposto, conclui-se que o caráter funcional da linguagem aproxima os gêneros da realidade dos estudantes, contribuindo expressivamente para a formação primária do leitor. Admitindo a leitura como agente transformador de uma sociedade, o seu exercício regular resultará em cidadãos mais críticos e conscientes, capazes de atuar no panorama em que estão inseridos.

REFERÊNCIAS
KOCH, Ingidore G. Villaça. Desvendando os segredos do texto. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2015.
BAKHTIN. Mikhail, Estética da criação verbal. 6 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
COSTA VAL, Maria da Graça. Texto, textualidade e textualização.IN: CECCANTINI, J.L. Tápias; PEREIRA, Rony F.; ZANCHETTA JR., Juvenal. Pedagogia Cidadã: cadernos de formação: Língua Portuguesa. v. 1.São Paulo: UNESP, Pró-Reitoria de Graduação, 2004.
DIONÍSIO. Ângela Paiva; MACHADO. Anna Rachel; BEZERRA. Maria Auxiliadora, Gêneros textuais e ensino. 4 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
RIBEIRO, Clemári. Crônica na sala de aula. Disponível em: <http://rede.novaescolaclube.org.br/planos-de-aula/cronica-na-sala-de-aula>. Acessado em 23 de junho de 2016.
PORTILHO, Gabriela. Leve a crônica para as aulas de língua portuguesa.  Disponível em  <http://novaescola.org.br/fundamental-2/leve-cronica-aulas-lingua-portuguesa-730805.shtml?page=1> Acessado em 20 de junho de 2016
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<http://www.significados.com.br/cronica/> Acessado em 19 de junho de 2016.
ARAÚJO, Ana Paula de. Crônica literária. Disponível em <http://www.infoescola.com/redacao/cronica-literaria/> Acessado em 05 de abril de 2016.
LIRA. Débora Maria de; ARAÚJO, Elizabeth Cordeiro de; SANTOS, Rosilda Maria A. S. dos. A crônica na sala de aula. Disponível em <http://www.cchla.ufrn.br/visiget/pgs/pt/anais/Artigos/D%C3%A9bora%20Maria%20de%20Lira%20(FAESC),%20Elizabeth%20Cordeiro%20de%20Ara%C3%BAjo%20(FAESC)%20e%20Rosilda%20Maria%20A.%20S.%20dos%20Santos%20(FAESC).pdf> Acessado em 19 de junho de 2016.
FROSSARD, Elaine Cristina Medeiros. A Teoria do dialogismo de Bakhtin e a polifonia de Ducrot.: Disponível em <http://periodicos.ufes.br/%20contextoslinguisticos/article/viewFile/5215/3899> Acessado em 19 de junho de 2016.
 Luft .Lya, Brasileiro não gosta de ler?. Disponível em http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/brasileiro-nao-gosta-ler-495455.shtml Acessado em 27 de junho de 2016.
VILARINHO, Sabrina. Crônica. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/redacao/cronica.htm>. Acessado em 26 de junho de 2016.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Fatores de textualidade nas crônicas "Atitude suspeita" e "Para Lennon e McCartney"



As crônicas que usamos caracterizam-se como textos bem construídos, pois identificamos nelas os fatores de textualidade, quer no aspecto formal, quer nas relações sintáticas e na situação pragmática. Identifica-se o fator de situacionalidade ao permitir ao leitor identificar o evento textual à situação, quer no aspecto cultural, quer no ambiente onde se desenvolve a trama: a primeira se passa em uma delegacia; a outra, na cela de um presídio. Também cumprem os objetivos das intenções dos autores, o que nos leva à conclusão que se cumpriu à risca a sua intencionalidade.
Por serem textos com várias republicações em blogs e veículos de comunicação afins, também podemos afirmar que estão em conformidade com os parâmetros conceituais da aceitabilidade, cujas ideias se completam em perfeita harmonia da coerência e da conectividade prepositiva da coesão.
Analisando o primeiro texto, Atitude Suspeita, de Fernando Veríssimo, o próprio título já dialoga com o jargão policial quando não há acusação formal que justifique a apreensão de um cidadão: atitude suspeita. Também se evidencia o diálogo com a Constituição Federal quando fica explícita a negação da presunção de inocência, reforçada pela declaração do delegado ao dizer que é suspeito o acusado se declarar inocente. Existe também a intertextualidade implícita à expressão "a coisa está preta" e ao provérbio português "o feitiço virou-se contra o feiticeiro", que é o desfecho dessa crônica.
A segunda crônica, Para Lennon e McCartney, é a intertextualidade explícita do título que Márcio Borges deu a uma música composta por ele e Fernando Brant, em que remete o leitor ao diálogo de uma época em que se vivia o desejo pleno da liberdade utópica e a linda juventude de então atuava como protagonista da história, não cabendo papel secundário nem coadjuvantes nesse enredo. Lógico que, as personagens de Luís Pimentel, dois detentos, não contextualizam a intencionalidade da canção. O autor usa da antítese dos seus protagonistas para determinada situação, transportando o leitor para a ambientação de uma época em que o rock'n roll era o fator determinante no grito de rebeldia e clamor de liberdade. Também a intertextualidade musical se faz presente na música "Era um garoto que como eu amava os Beatles e Rolling Stones", versão da música italiana de Giani Morandi e que uniu os jovens do mundo todo na resistência contra a guerra do Vietnã.
O campo semântico se contextualiza na “tribo” das personagens, cujo diálogo se traduz pelo jargão policial ou pela linguagem própria de presidiários. Ambas, usam como pano de fundo a insegurança jurídica e constitucional, onde, na crônica de Veríssimo, o cidadão é culpado até provar a sua inocência, enquanto na de Pimentel o cidadão é recolhido ao presídio por uma presunção de crime. O porte de arma não configura crime.

A atemporalidade desses dois textos é transparente na nossa realidade atual, cujas pessoas são detidas por uma simples acusação de “suspeito”. Isso nos remete à triste constatação de que o cotidiano se repete nessa eterna crônica de negação da cidadania e as “atitudes suspeitas” grassam no nosso dia a dia.